Vai ficar tudo bem
— Você tem o sorriso dela, sabia? Tá, não é tão parecido assim, já que é uma banguelinha. Acho que posso dizer que você é uma menina sorrigengiva. — Rio sozinho da minha própria piada. — Eu sei, é bobo, mas é engraçado, não acha? — Seguro sua minúscula mãozinha entre as minhas mãos, tentando protegê-la do frio, do mundo, da dor. — Ela teria achado engraçado. Ela ria de tudo. Ria de nada também. Será que você vai ser que nem ela, hein?
Solto a mão de minha pequena e a cubro com uma manta que a mãe dela havia bordado assim que decidimos o nome. Ana Luiza. O nome era lindo. Foi uma boa escolha.
— Você gostou? Gostou, Aninha? Eu gostei. Tá, no começo eu queria Ana Júlia, igual a música, sabe? Não sabe, não é? Não é de sua época.
Levanto-me do banco que fica em frente ao seu berço, e puxo a cortina de tule verde. Teria que protegê-la dos mosquitos também. Zika. Dengue. Chikungunya. Os inimigos eram tantos que acho que não descansaria nunca mais.
— Falando em sua época, te prepara que serei um pai à moda antiga. — Dou a volta no berço e ligo o abajur verde e vermelho. Uma luz levemente cor de pêssego toma conta do quarto. — Sua mãe disse que não, que você seria livre para experimentar o mundo, assim como Merida, mas você tem que saber desde já que assim como o pai dela, eu serei um urso bem grande no seu caminho.
Ouço risos e viro-me para trás. É a minha sogra.
— Vai comer alguma coisa, Miguel, anda. Para de babar a menina. Deixa que eu olho ela.
— Se ela chorar…
— Vai querer me ensinar a cuidar de criança, moleque! — ralha comigo, já entrando no quarto. — Eu criei quatro, e sozinha. Agora vai, anda! Coma algo, que saco vazio não guenta de pé.
Afasto-me, mas volto correndo e ligo a babá eletrônica. Minha sogra me olha enviesado.
— Só por precaução. — Dou um sorriso amarelo e alfineto ainda mais a senhora que, há dois meses, me ensina a criar a minha filha. — Papai já volta, tá? Qualquer coisa, você grita.
Saio do quarto e, assim que chego na cozinha, eu me agacho tentando sufocar o choro de dor. Eu odiava aquela doença. Odiava o hospital que não salvou a minha mulher. Odiava aquelas pessoas que não cumpriam o isolamento.
— Filho, não fica assim. — Minha sogra me vê agachado atrás do balcão da cozinha — Sua filha vai precisar de você , agora mais do que nunca.
Meu choro sacode o meu corpo de forma descontrolada. Limpo o nariz com a gola da camiseta de malha e olho para cima.
— Como a senhora sabia que eu estava chorando? Foi muito alto? Acordei ela?
Então ela balança a babá eletrônica de cabeleireira vermelha cacheada e aponta para o balcão onde estava a outra parte. Nunca tinha visto um tema de bebê com cores tão fortes, mas minha esposa cismou que a menina dela seria forte e valente, assim como Merida.
— Eu trouxe a parte errada, de novo. — Sorrio em meio ao choro, me engasgando.
Ela sorri sem humor e me encara. Não há piedade em seu olhar, é só amor. Vi uma força desmedida também. Era o mesmo olhar de minha esposa. Ana Luiza também o tem.
— Bem que você falou que isso era útil, desci a tempo de socorrer esse bebê chorão.
Minha sogra me puxa para cima e me aconchega em seu abraço maternal. Eu precisaria ser forte, mas estava sendo muito difícil suportar. Ouço o chorinho da minha filha e minha dor se aloja em algum lugar. Ela precisa de mim e saber disso me dá forças para continuar.
— Obrigado. — Agradeço e me afasto de minha sogra. — Mas tem alguém que precisa que eu seja forte.
— Vou preparar o seu prato, já vi que essa daí vai te colocar no bolso.
Corro para o quarto, passo álcool em gel nas mãos e descortino o bercinho, a pegando no colo.
— Papai tá aqui, bebê. — Fungo em sua cabeça e me delicio com o seu cheiro de paz. — Vai ficar tudo bem, meu amor. — A nino com os olhos embaçados.
Eu queria engolir o seu choro, mas não consigo nem mesmo sufocar o meu.
— Vai ficar tudo bem.