Coração de Mãe

Dona Luzia estava preocupada com a saúde de sua mãe, aproveitou o segundo domingo de maio e colocou os filhos no ônibus rumo à casa de Dona Filó. 

Luzia morava em Simões Filho, e a mãe, em Crisópolis. Era uma viagem longa e ela sabia que teria problemas com tantas crianças. Apesar de ter apenas dois filhos, convencera a irmã a viajar junto com ela e a criatura tinha uma prole numerosa.

Taíse era uma típica adolescente, tinha vergonha de tudo, e com uma mãe desinibida como Dona Luzia, a vergonha era triplicada. Para completar, achava a tia uma songamonga que não tinha pulso firme com os próprios filhos.

— Pera só um pouquinho, motorista, xô contar os minino pra vê se não perdi nenhum. — Dona Luiza começou a chamar as crianças aos gritos — Maiquinho?

— Aqui,tia!

— Gule?— Taíse revirou os olhos com aquilo, pois não conseguia acreditar nos apelidos que as crianças tinham.

— Tô aqui, tia!

— Nessinha?

Dona Luzia continuou chamando os cinco sobrinhos. Quando constatou que todos estavam dentro do ônibus, entrou e, atrás dela, começaram a entrar os outros passageiros que já estavam de cara feia.

Assim que todos se acomodaram, o ônibus, lotado, seguiu viagem. Parecia que todos estavam indo visitar as mães tamanho a quantidade de gente.  Muitos estavam em pé. Não demorou quase nada para que as crianças começassem a reclamar de fome. 

Taíse olhou para os primos sentados nas poltronas à frente da sua  e sentiu muita raiva. Ergueu-se de sua poltrona e olhou para trás, onde estavam a mãe e o irmão.

— Não é possível, Mainha! — resmungou, não muito alto — Esses meninos comeram agora e já tão com fome! Olha a barriga deles, parece até que engoliram um boi. Me desculpe, mas isso é olho grande, viu!

Dona Luzia nem ligou para o comentário da filha, puxou uma sacola grande que estava entre suas pernas e de lá tirou uma vasilha cheia de cuscuz.

— Não acredito nisso, Mainha! — Taíse virou–se para frente e colocou os óculos escuros — Vou fingir que nem conheço esse povo.

— Deixa de ser metida, menina! Passa a vasilha aí pra frente,vá! — Taíse cruzou os braços e não se mexeu — Ô criatura, deixe de ser besta e passe logo essa vasilha para a sua tia!

Como viu que Taíse não se prontificou, Dona Luzia levantou-se e começou a bater a colher, repetidas  vezes, na lateral da vasilha esmaltada. Alguns passageiros olharam para ela e depois voltaram ao que estavam fazendo, mas os sobrinhos nem prestaram atenção na tia. 

— Psiu! Vani, ô Vani! — Tentou chamar a atenção da irmã, mas essa já estava no décimo sono. — Como é que sua tia dorme com tanta criança pra tomar conta? — falou com o filho que estava ao seu lado.

— Porque tem uma besta que nem a senhora que toma conta pra ela. — Taíse levantou-se, virando a cabeça para trás só para espezinhar a mãe.

Os meninos continuaram reclamando de fome e os menores começaram a chorar. O caçula estava gripado e enquanto a chupeta estava pendurada no pescoço, ele chorava passando as costas da mão na secreção que escorria pelo nariz. 

— Ô tadinhos, tão tudo com fome, olha! — Luzia resolveu que não se importaria com o que as pessoas daquele ônibus pensassem sobre ela e começou a gritar. — Cuuuuuus, cus, cus, cus, cuscuz!

As crianças levantaram -se dos bancos e correram, espremidas, entre os passageiros, tentando alcançar a vasilha. Pareciam pintinhos atrás de ração. Os passageiros que estavam em pé começaram a reclamar da bagunça, os que estavam sentados reclamaram de não conseguir dormir com tanto barulho.

Dona Luzia deu duas colheradas de cuscuz a cada um dos sobrinhos e mandou todos voltarem para os seus lugares. Não demorou nada e o pequeno começou a tossir. A farofa de cuscuz saia de sua boca e espalhava-se por todos os lados. Parecia mais uma cena de filme de terror. 

— Mas que inferno!  Como que a gente dorme desse jeito?— A senhora que estava sentada na cadeira do corredor, ao lado das crianças, gritou, revoltada. — Alguém educa esses monstrinhos, por favor!

Vani acordou com os gritos e não gostou de ver seus filhos sendo ofendidos. Como toda boa mãe que se preze, ela se levantou em defesa das crias.

— Venha, sua nigrinha, que vou te mostrar quem que precisa de educação aqui! —  Ameaçou a pobre senhora. — Vou te pisar toda de pé, sua lambisgoia!

 Dona Luzia também ficou furiosa e antes da freada brusca dada pelo motorista, uma vasilha voava pelo ônibus indo em direção à cabeça de quem não tinha nada a ver com a história. Todos que estavam próximos se sujaram de flocos de milho. A confusão estava armada.